Há 26 anos, quando a Associação dos Bombeiros Voluntários no Estado de Santa Catarina (ABVESC) foi criada, havia 11 corporações que agregavam pouco mais de duas mil pessoas entre bombeiros e gestores. E todas lutavam, individualmente, por recursos para manter a estrutura de atendimento às urgências e emergências junto ao poder público e comunidade; seguiam suas próprias normas e protocolos e, claro, mantinham diferentes identidades visuais. Em suma: era muita energia despendida para “sofrido” resultado.
A união de todas em torno de uma associação estadual possibilitou “virar a chave”. Sob o guarda-chuva da ABVESC hoje estão 31 corporações que agregam pouco mais de 5,4 mil bombeiros voluntários e outros colaboradores que atendem 50 municípios – um total de 1,6 milhão de habitantes. O avanço não ficou só nisso. A entidade puxou para si a responsabilidade de organizar administrativa e operacionalmente as corporações estabelecendo padrões de conduta e atendimento; negociou aporte continuado de recursos junto ao governo do Estado; estabeleceu uma identidade única – mesmo respeitando as peculiaridades regionais – para os bombeiros voluntários e buscou apoio no Legislativo, estadual e federal, para garantir a manutenção do modelo.
A proposta deu tão certo que corporações como a dos Bombeiros Voluntários de Joinville, a mais antiga do país com 128 anos de história, e a dos Bombeiros Voluntários de Lontras, a caçula com apenas quatro anos de fundação, têm a mesma representatividade dentro da associação, desfrutam dos mesmos benefícios com, obviamente, igual responsabilidade. Além dos limites de Santa Catarina, a entidade inspirou modelos semelhantes como a Voluntersul – Bombeiros Voluntários no Rio Grande do Sul; Volunterminas, correlata no Estado de Minas Gerais bem como a Federação Brasileira.
Por trás desse movimento há a mão forte e aglutinadora de um presidente (veja quem foram no site ABVESC) e seus conselheiros. Desde o final de outubro o posto é ocupado por Ivan Frederico Hudler, 60 anos, empresário do setor de software (fundou a Prosyst, em 1986) – na linha do tempo, é a nona sucessão na entidade. Como bom programador, além da gestão da empresa, ele organiza seu tempo para conciliar também o cargo de diretor administrativo da Associação Empresarial de Joinville (Acij) e a vice-presidência da Associação Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville. O voluntariado toma 30% dessa agenda.
Para Hudler, liderar a entidade estadual é uma missão. “Entendemos que nosso modelo, centenário, consolidado na Europa e Estados Unidos, presta um importante serviço para o Brasil. É um modelo eficaz tecnicamente e extremamente interessante ao Estado, sob a ótica financeira.” Pesa a seu favor, ainda, a herança do tataravô Frederico Hudler, imigrante alemão que presidiu a reunião de instalação da Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, em 13 de julho de 1892 e que, em síntese, foi seu primeiro presidente.
Leia a entrevista:
O senhor vem de uma família que tem o bombeiro voluntário no DNA. É tataraneto de Frederico Hudler, quem presidiu a reunião que fundou a Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, em 13 de julho de 1892, e redigiu seu primeiro estatuto. Como é, para o senhor, 128 anos depois liderar a Associação dos Bombeiros Voluntários em Santa Catarina?
A ABVESC representa todas as 31 corporações voluntárias. A primeira e, portanto, a mais antiga corporação de bombeiros voluntários do Brasil é a de Joinville. Tudo começou há 128 anos e meu tataravô teve uma importante participação na fundação deste modelo. Espero que Deus nos conduza em sabedoria, com saúde e ânimo para continuar a honrar o modelo dos bombeiros voluntários.
O que o levou a “abraçar esta causa”?
Entrei na corporação de Bombeiros Voluntários de Joinville há 10 anos sob a gestão e convite do presidente Moacir Thomazi. O mesmo ocorreu na ABVESC. Trabalhamos juntos por esses anos todos e posso afirmar que foram anos de enorme aprendizado. Thomazi fez uma grande gestão, deixando importante contribuição à ABVESC. Agora, assumo a presidência da ABVESC. Sou grato pela confiança e entendo que estou cumprindo uma missão.
Como o senhor definiria o universo dos bombeiros voluntários? Quais são as lições que as pessoas podem aprender com eles?
Não foram poucas as vezes que pessoas ingressam no voluntariado e acabam ficando pelo resto de suas vidas, ligadas de uma forma ou de outra. Talvez esse seja um dos modelos mais eficazes de se realizar uma atividade, pois interesses pessoais são reduzidos ao máximo. Tudo é feito em prol social e comunitário. A sinergia se estabelece no meio, de uma forma muito presente. Nesta vida somos passageiros, temporários. Se pudermos exercer alguma contribuição ao próximo e ao nosso meio ambiente, estaremos assim valorizando em muito a nossa existência.
“Somos passageiros, temporários em nossa existência.”
Quais são os desafios da ABVESC no atual cenário?
Fortalecer o modelo, dar suporte às filiadas, ter ferramentas modernas no aspecto operacional e da gestão. Defender o progresso, o prestígio e a credibilidade das filiadas. Aperfeiçoar nosso formato de divulgação, promovendo aproximação entre as corporações e a sociedade. Nosso modelo, apesar de ser voluntário, precisa de recursos financeiros para investimentos e custeio.
Como o senhor vê as pequenas corporações? Como a ABVESC e parceiros devem contribuir para sua manutenção?
Queremos contribuir para o aperfeiçoamento da gestão e sustentação destas corporações. Temos planos para aperfeiçoar e criar mecanismos de apoio. Estamos elaborando isto.
“Precisamos avançar, com reconhecimento das esferas governamentais de nosso país, que valorize o voluntariado como um dos importantes exemplos de otimização de recursos e eficiência.”
Na sua avaliação, a comunidade continua envolvida com a causa dos bombeiros voluntários?
A comunidade tem apoiado e contribuído com os bombeiros voluntários. O modelo é um orgulho para as comunidades. Queremos que nossa atuação seja cada vez mais eficaz, produzindo sempre um serviço de grande importância à sociedade, que tanto nos apoia.
A ABVESC teve papel preponderante na formação de associações idênticas no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e na Confederação Brasileira, por exemplo. Como a ABVESC pode contribuir para difundir ainda mais o modelo, considerando que, de acordo com o último levantamento da Revista Emergência (julho 2018), apenas 19% dos municípios brasileiros possuem serviço de bombeiro?Estamos atentos a essas questões e buscaremos apoio para avanços. Não faz sentido qualquer cerceamento de um modelo que funciona, que traz significativos benefícios à população, que beneficia o Estado pelo baixo custo que representa e onde existe muito espaço a ser atendido. Precisamos do apoio do governo, dos parlamentares. O problema está no corporativismo, que procura blindar seus próprios interesses em benefício próprio e com isso privilegia apenas um grupo pequeno da sociedade.
“Não faz sentido o cerceamento de um modelo que funciona, que traz significativos benefícios à população, que beneficia o Estado pelo baixo custo e onde existe muito espaço a ser ocupado.”
O que devemos aprender com as corporações da Europa, especialmente as da Alemanha, e as coirmãs da América Latina?
Nosso modelo surgiu em 1892, pela inspiração dos imigrantes alemães. É um modelo consolidado na Europa, EUA e até na América Latina, que também teve origem e inspiração europeia. Continua forte até nossos dias. Precisamos manter essa inspiração e abominar qualquer iniciativa de ataque ao modelo. Em Joinville, por exemplo, a corporação voluntária mais antiga do Brasil, realiza atividades preventivas por meio das vistorias em estabelecimentos comerciais; incentivamos a Cultura, por intermédio do Polo de Produção Musical – Banda dos Bombeiros; atuamos na formação de jovens por meio do Programa Bombeiro Mirim. Possuímos aproximadamente 1.700 voluntários. Por estes resultados, espelhando o que ocorre de forma consolidada e massiva na Alemanha e maior parte da Europa e também nos Estados Unidos, vemos como ótima solução custo-benefício ao Estado e sociedade.
Como o senhor vê a ABVESC, e o futuro dos bombeiros voluntários?
Atualmente somos 31 corporações voluntárias que atendem 50 municípios em Santa Catarina e uma população de mais de 1,6 milhão de habitantes. Nosso Estado conta com 295 municípios, sendo que a metade não possui assistência de qualquer tipo de bombeiros (voluntário ou militar). Precisamos avançar, com reconhecimento das esferas governamentais de nosso país, que valorize o voluntariado como um dos importantes exemplos de otimização de recursos e eficiência.